domingo, 26 de fevereiro de 2012

VI - Decifra-me ou devoro-te


Enquanto o Ricardo começava a bater as panelas dele - com muita empolgação - eu tratei de acabar com ele e com Lars através do celular:
- E o Rick, esse traidor de uma figa, disse que além de tudo o primo dele é cheio de "não me toques"... o cara nem come carne!


- Vai ver ele é um fanático que idolatra vacas, e é seguidor de Gandhi. - Refletiu Lola, sem emoção.
- Gandhi?
- É, Jussy... Mahatma Gandhi, ele foi um líder espiritual Indiano, sabe?
- Huuum, acho... acho que sei, uma figura, realmente. - Menti, não fazia ideia de quem era o cara.
- Ou ele é bicha!
- Bom,  Rick não falou nada. - Tentei desconversar, por mais que não estivesse indo com a cara do Lars, não poderia afirmar ou negar a sua opção sexual.
- Aposto que ele é feio e nem tem namorada. - Lola palpitou.


- Como já disse, Rick não fez nenhum comentário relacionado a vida pessoal do Lars. Mas, como estávamos falando de mim, sobre o que eu penso em relação a tudo isso,  o que posso afirmar é que... não tenho sorte! Veja, era pra eu estar indo pro Salão da Prosperidade, mas estou aqui, no quintal! Olhando as luzes da civilização piscando para mim como um chamado, e eu vou ter que ficar fazendo sala pra um comedor de grama!
- Terrível! - Lola concordou no mesmo instante.
- Com tantos dias pra esse chato chegar, por que tinha que ser justo hoje?
- Realmente... "nonsense".


Após um curto e estranho período de silêncio, resolvi mudar de assunto:
- Escuta, o que você tá fazendo que está praticamente monossilábica, hein?!
- Na verdade, Jussy, não quis falar nada, mas... estou recebendo visita, entende?
- Ah é?! E como ele chama, de onde ele é?
- Atende por Ryan, é aqui de Bridgeport mesmo, e... - Lola deu uma risadinha sacana.



- Lola... o que é? - Eu me empolguei no mesmo segundo, adorava quando ela dava aquele tipo de risada, significava que teria uma história picante para ouvir.
- Ele é um espetáculo! Tem uma bundinha! Um peitoral lindo, bem trabalhado - Suspiro - Os braços dele são tão fortes, e ele me pega de um jeito! - Outro suspiro, dessa vez bem longo.
- Pelo visto, ele é todo gostoso! - Comentei à-toa.
- Gostoso? - Minha amiga pareceu perder o ar - Chamá-lo de gostoso chega a ser uma ofensa, gatinha! Ele é um tesão!
- Então, acho melhor desligar. Vou deixar você se divertir... uma de nós tem que dormir feliz hoje, né?
- Dormir? Só se for você! Pois não prego o olho enquanto o "Senhor felicidade" estiver ocupando a minha cama.



Me desculpei com Lola, e desliguei o telefone - a contragosto - e assim que guardei o aparelho, notei que um táxi estacionou na porta da casa - infelizmente trazendo o convidado de honra.

- É aqui sim, tenho certeza - Disse o vulto, que só poderia ser o Lars.
- blábláblá - não consegui ouvir o que o taxista falou.
- Imagina! O senhor não me incomodou! - Respondeu então o vulto, de forma muito educada.
- blábláblá! - Foi a vez do taxista falar.
- Muito obrigado, por tudo. - Encerrou o vulto.

Tive um tempo para refletir, foi até bom que ele chegou logo, pelo menos voltaria para casa o quanto antes.


Visando o final da totura, aguardei com toda a paciência do mundo que ele tocasse a campainha, para que alguma alma caridosa - que não seria a minha - fosse recebe-lo... mas, simplesmente não aconteceu, o que me deixou um pouco ansiosa.
Que merda! - falei com meus botões - o que aquele cara tava fazendo na varanda que não podia acabar de uma vez com a minha agonia?!
Foi quando de repente, ouvi um som estranho vindo por de trás da cerca viva.



- Hei, hei... psiuuu!
Forcei a vista e quase cai na gargalhada, ao ver que o vulto tinha tomado alguma forma, mas respondi fingindo que não tinha notado a sua chegada:
- Quem tá ai?
- Oi! Sou eu... o Persy.
- Persy?
As coisas começaram a ficar um pouco estranhas, afinal esperávamos pelo Lars, sendo assim fiz uma voz bem séria, e o questionei:
- O que você quer?


- O Rick mora aqui, não mora?
- Por que você quer saber? - Perguntei então, desconfiada.
- Eu sou o primo dele!
- É mesmo?! Seu mentiroso! - Exclamei no mesmo instante.
Poderia ser um ex funcionário tentando matar o Rick? Ou ainda um espião da empresa concorrente, louco para nos torturar até que Rick contasse quais seriam as novidades para o começo do semestre? Poderia até mesmo ser um chefe de uma grande quadrilha especializada, que deveria saber de todos os nossos passos, pois implantou escutas em todos os telefones e móveis da casa.

Estamos em Bridgeport, vocês bem sabem, cidades grandes costumam ser muito perigosas.

- Sou sim! - Afirmou - Ele está me esperando!
- Ele está esperando uma visita, mas o primo dele chama Lars.


- Sou eu! - Ele insistiu - Lars Persy!
- Afinal, você chama Lars, ou Persy? - Questionei-o mais uma vez.
Quando você faz perguntas demais, os criminosos costumam se enrolar, e se entregam logo de cara. Aprendi isso assistindo seriados de detetives:
- Os dois, como disse: Lars Persy.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Sei... e me diz então, onde você passava as férias com o Rick? Você só tem uma chance!


Por sorte Rick tinha me revelado um segredo de família, como se pudesse pressentir o real perigo que estávamos vivendo naquele exato momento.
Pobre Ricardo, estava completamente alienado entre sua massa e as panelas, enquanto eu estava entre a vida e a morte bem embaixo do seu nariz.


- Isso é sério? - Ele pareceu sorrir por debaixo do fôlego, e eu achei o ato muito parecido com uma afronta a minha sanidade - O que você é? Uma esfinge? Decifra-me ou devoro-te?
Segredo dos seriados de detetives número dois:
Os criminosos sempre tentam te enrolar com umas frases meio sem sentido, para que você perca um tempo considerável refletindo, enquanto eles acabam com tudo o que existe em volta.
Pensando exatamente nisso, fui categórica:
- Você perdeu a sua chance! - Me preparei para sair correndo.
- No rancho do vovô Walter, em Appaloosa Plains! Eu, Rick e meu irmão Freyr!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

V - Um infortúnio chamado Lars

Porém, foi em um fim de semana em que eu já não pensava mais nas palavras de Madame Shade, que as transformações na minha vida começaram sem que eu me desse conta, da maneira como foi previsto.


Eu e Rick tínhamos combinado por telefone de fazer muitas coisas, dentre elas, sair para dançar, já que eu estaria de folga. Estava super empolgada, pois sair para dançar era uma coisa que Rick não fazia comigo há eras, por conta de sua carga horária exaustiva.


E quando cheguei na casa do Ricardo até me assustei, pois ele estava muito mais animado pessoalmente, e assim que me viu passar pela porta anunciou:
- Jussy, você não vai acreditar! aconteceu uma coisa fantástica!
- Jura? O quê?- Perguntei a ele, sorridente, pois deveria ser mesmo algo extraordinário.


- Sente-se. - Rick me puxou para o sofá, sentando-se ao meu lado enquanto começava a me explicar - Tínhamos combinado de sair para dançar, não é?
- Ahãm... tínhamos sim. - Concordei de imediato.
- Pois bem, não vai dar.
Murchei no mesmo instante, protestando logo em seguida:
- Como assim, Rick?! Nós passamos a semana combinando isso!
- É eu sei... infelizmente não vou poder ir, Jussy... - disse ele com um ar tristonho, que logo se transformou em euforia, para o meu desespero - mas tem um bom motivo!
- E ele vai ter que ser ótimo. - Disse no ato.


- E é! - Afirmou entusiasmado - sabe o Lars?
- Quem?
- O Lars! Ele tem uns programas na televisão - Dizia Rick com a felicidade inabalável - Você deve saber, sempre te recomendo.
- Acho que não sei quem é. - Respondi de forma bem seca.
- Ele é meu primo, também já comentei isso algumas vezes, e agora a pouco ele me telefonou dizendo que está em Bridgeport, negociando a venda do documentário pra mesma produtora que comprou o "Destino Viajante - Shang Simla".
- Hum... e ai? - Resmunguei apenas para dar continuidade ao assunto.


- Ai que o cara tá num hotel... e ele é meu primo! Passamos a maioria das nossas férias de infância no rancho do vovô Walter em Appaloosa Plains, eu ele e o irmão dele... Freyr, férias sensacionais devo frisar.
- Rick... você pode ir direto ao assunto? - Decidi cortá-lo, antes dele querer me fazer entender sua árvore genealógica - O que isso tem a ver com a gente sair pra dançar?!
- Ah, sim... então, eu o convidei para passar esse tempo aqui, faz anos que não o vejo, e não poderia deixar de forma alguma que ele fique em um hotel completamente sozinho, seria desumano da minha parte.



Não fiz questão de pensar que o tal do Lars era um pobre coitado... afinal ele estava arruinando o meu findi sem nem pedir licença, então questionei Rick completamente desanimada:
- E por causa dele, vamos ter que ficar em casa, pra variar?
- Jussy, não fala assim...  o Lars é um cara super legal! Você não consegue mesmo se lembrar dele? O programa que ele apresenta passa nos canais relacionados a história natural, aqueles que eu sempre estou insistindo pra que você assista!



Do alto da minha ira respondi:
- Nunca vi, Ricardo! E se você quer mesmo saber, sempre fiz questão de pular esse tipo de canal, porque odeio o mundo natural!
- Hei! Amorzinho! - Rick me puxou para junto dele, achando que o ato pudesse me acalmar.

Sabem, eu não odeio o mundo natural - de forma alguma - e acho legal o lance de salvar a natureza e tudo mais... só que nunca tive paciência para assistir esse tipo de programa, além do mais, estava com muita vontade de deixar o Rick chateado, portanto dei um chega pra lá nele, e resmunguei com raiva:
- Eu odeio!


Rick me encarou chocado por um bom tempo, dizendo logo que saiu do transe:
- Então, parece que você terá um pequeno problema.
- Por quê? - Rebati revigorada.
- Bom, já que você não assiste... devo te informar que o Lars vive disso. Ele é zoólogo e arqueólogo, ele tem projetos de reflorestamento, reabilitação de animais selvagens na natureza, faz parte de uma equipe de escavação, onde é um membro convidado, veja só a importância! Não é que ele não goste, acredito que ele se enfiaria no deserto mesmo que não recebesse um tostão furado para ajudar a escavar, mas ele é convidado! Tem noção? Pessoas importantes ligam pra ele e dizem: "Lars, seria uma honra se você fizesse parte da nossa equipe!" enfim... ele é tudo o que você odeia.
- Que péssimo, acho que vou achar ele um saco, pelo visto.
- Provavelmente você vai. - Rick concordou.
- Ah, com certeza. - Afirmei só para implicar.


- É uma pena, que você não consiga dar valor a coisas que realmente tem valor, Justine.
- Que se dane as coisas que tem valor! Eu queria sair pra dançar, é pedir muito?! - Nessa altura eu já estava com uma tromba de elefante, tamanha era a minha chateação.
Devido a minha cara de frustração, Rick tentou solucionar o problema dando-me uma nova data, mas devo dizer que foi em vão:
- Nós podemos marcar pro final de semana que vem, e o Lars pode nos acompanhar se ele quiser.
- Não quero sair com esse mala, provavelmente ele vai melar toda a balada dizendo que a fumaça produz substâncias nocivas a natureza, que vamos morrer se ficarmos respirando muito gás carbônico, que... blábláblá e blábláblá!



Rick não conseguiu acreditar que nós não venerávamos o mesmo Deus, e resolveu virar a cara para mim - um claro sinal de protesto a minha infantilidade? - Então me senti um pouco mal... não por ele, mas por mim. Afinal era o meu fim de semana que estava indo pro saco!
Quem sabe se eu insistisse em um jantarzinho, antes do Lars chegar? Pelo menos não me sentiria tão traída:
- Escuta... hãm, Rick... já que não podemos sair pra dançar... um jantarzinho em algum restaurante, não rola?!



Ele sequer respirou para me responder:
- Acontece que Lars vai chegar a qualquer momento, e temos tantas coisas pra conversar!
Eu bufei
- Ô, Justine, por favor! Não seja tão mimada assim! Só por hoje tente me entender!
Respondi chorosa:
- Eu sou mimada?!! Tudo tem que ser do seu jeito, Rick! Nem sei porque insisto em começar uma discussão, se tenho certeza que você vai ganhar.
Ele sorriu, achando que o que eu havia dito na verdade era: "Mil perdões! Eu te entendo por arruinar o meu findi!"
Mas, eu quis dizer que estava puta da vida com ele.
Então, como sempre ele deu a discussão por encerrada, e começou a conversar comigo como se nada tivesse acontecido:
- Estava pensando, o Lars é vegano...
- O que isso significa?
Rick revirou os olhos, e respondeu impaciente:
- Significa que ele não come carne, nenhum tipo.
- Que babaca!


Rick me ignorou, e continuou a conversa que ele tinha resolvido ter comigo:
- O que você acha que deveríamos fazer pro jantar?
Respondi com sarcasmo:
- Oras... vamos ali no quintal juntar um punhado de grama e fazemos uma salada, o que acha? Simples e saboroso!



O ar animado que o Rick insistia em manter desapareceu no mesmo instante, e ele disse desapontado:
- Já vi que não vou poder contar com você, então... acho que vou fazer alguma massa.
- Faz o que você quiser, estou sem fome.
Anunciei enquanto seguia para o quintal marchando em passos duros, a fim de ligar para a Lola e contar-lhe tudo sobre o recém inferno no qual eu tinha me metido.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

IV - De olho no futuro - Madame Shade


Voltemos ao que Lola tem a dizer sobre a consulta mística com Madame Shade:
- Não acreditava, fazia até piada... mas, estava ouvindo uma conversinha outro dia no escritório, e uma das meninas que trabalham comigo, disse que veio se consultar há dois anos, e tudo, absolutamente tudo o que a Madame Shade previu, aconteceu. Até mesmo a morte do shih-tzu dela.
- Impressionante - Disse eu, impressionada mesmo - E ai, o que vamos fazer se ela começar a prever um monte de tragédia nas nossas vidas? Saímos correndo?



- Claro que não! - Lola se exaltou - Vou ficar até o fim, até que última palavra sobre a minha vida futura seja dita.
- Estou morrendo de medo. - Confessei no final.
- Eu também... - Sussurrou ela com um ar estranhamente sombrio - mas a curiosidade é maior.
Lola acabou me dando uma boa razão, talvez a palavra curiosidade tenha  um efeito especial no meu cérebro.



 Como já lhes contei, sou uma pessoa curiosa, e só a palavra curiosidade já me deixa curiosa; Além de tudo... se a mulher podia revelar o nosso futuro, então era quase como dar uma espiadinha nos capítulos da semana de uma novela, não é?
Quando não se quiser viver um dia específico, simplesmente toma-se uns comprimidos de valium, dorme-se durante dezoito horas e pula-se pro próximo capítulo, sem ter que lidar com o stress.



Então, Lola foi chamada antes de mim, e apesar de eu estar tentando me persuadir com a curiosidade - de maneira quase desesperada - nunca entraria naquela sala antes de ter certeza que iria sair viva dela.


E enquanto esperava que a minha amiga se consultasse, a fim de não morrer de tédio resolvi prever o futuro do futuro que a Madame Shade iria prever para mim - Como não sei que cara tem a vidente, vou pegar emprestada a imagem da assistente, só para que eu não tenha que conversar com uma cadeira vazia - E, bom... sendo completamente positiva, posso apostar que ela dirá:
"Justine, Justine... - Um sorriso encantador surgirá em seus lábios - Vejo na minha luminosa bola de cristal que você vai se casar com o Rick sim! Ele vai deixar de implicar com você e com o seu trabalho, e veja! Vocês montarão um negócio muito lucrativo, algo relacionado a eventos; vão acumular uma grande fortuna, vocês terão uma vida inteira cheia de felicidades, além de um adorável casal de filhos... eles serão lindos e inteligentes, não terão problemas na adolescência e... Ah, sua vida será perfeita, pode ir embora e dormir tranquila!"


Acordei do meu pequeno devaneio logo que Lola deixou a sala com uma cara de dar medo, dei um pulo do sofá e fui ao seu encontro no mesmo instante, e assim que me aproximei ela anunciou com a voz muito baixa:
- É a sua vez.
Num ato de completo desespero, perguntei a ela:
- O que ela te falou pra você estar com essa cara? Você vai morrer em breve?
Lola não me encarou para responder:
- Não, ela não disse isso. Depois conversamos, é a sua vez.



Cumprimentei Madame Shade rapidamente, e fui logo me sentando, ela também não foi de fazer cerimônias. Depois que eu já me encontrava instalada ela perguntou o meu nome e com a voz hesitante, respondi:
- Justine.
Ela balançou a cabeça umas quatro vezes seguidas, voltando a sua atenção para a esfera esquisita em sua frente.
Não levou muito tempo até que ela começasse a profetizar:
- Então, você é amiga da Lola? Essa moça que acaba de sair daqui?
- Sim... - Concordei - somos amigas há bastante tempo, creio que nossa amizade tenha uns nove anos.



- Sei, e... você... hum - Seus olhos se estreitaram - você tem um namorado e pretende firmar o compromisso, é isso?
Fiquei muito surpresa por ela ter acertado em cheio o meu lance com o Rick, sendo assim respondi um pouco temerosa:
-Ah, sim... na verdade, Rick está planejando o casamento para daqui uns dois anos.
- O casamento irá acontecer, em breve. - Ela foi categórica.
- Em breve? - Me exaltei, e quase sai pulando de felicidade pela sala. - Mas isso é maravilhoso!



- Sim, em breve. Mas antes, devo dizer que... você vai passar por muitas provações, vai ser traída.
- Traída?! Pelo Rick?! - Minha garganta secou - Ele... vai ter coragem de fazer isso comigo?! Que calhorda! Olha, muito me admira que eu vá me casar com ele, já estou ficando com raiva antes mesmo de acontecer, a senhora pode acreditar? - Ela me olhou como se eu a tivesse atrapalhando, e eu me desculpei imediatamente.
- Sim, traída... mas ouça... a traição não será um fato consumado, e pode não ter a ver com o... Rick - Ela olhou fixamente para a esfera brilhante e eu tive muitas dúvidas - Isso é um conselho.


- Entendo, e... sem querer atrapalhar as suas visões, não dá pra saber mais ou menos o nome da pessoa e o enredo da coisa? Sabe como é? Para que eu  possa ao menos me defender!
Devo dizer que ela não respondeu, e deu continuidade:
- As coisas parecerão perdidas, Justine, e vai ser quando você se encontrará. Quando tudo parecer errado, vai ser o certo, quando você achar que é uma miserável... as coisas irão se ajustar, e você vai ser uma pessoa feliz, mas... não da forma como você acha, você está muito enganada a seu respeito... e também sobre o seu futuro.



- Se vou me casar em breve, como posso estar enganada? Isso significa que tudo está caminhando exatamente para onde eu quis!
- Devo comentar que tudo vai acontecer muito rápido... talvez você nem se dê conta dos fatos, mas digo que você vai crescer muito como pessoa, em pouco tempo seus valores irão mudar, sua vida vai mudar, vai ser muito bom pra você... É isso, são cem pratas.
- Mas... espera, isso significa o quê? Que vou fazer um curso? Crescer como pessoa em que sentido? Me tornar uma intelectual, ou me tornar uma jamanta?!!
- Você vai saber, Justine... certamente você vai.



Não que eu tenha saído arrasada da sala como Lola havia saído, mas estava longe de estar saltitando de felicidade.
A parte do casamento até tinha me animado, entretanto... não foi o suficiente.
Vejam, não acho chato me tornar uma intelectual, porém... não consigo entender em que ponto eu vou precisar fazer isso sendo mixóloga, ou será que não vou precisar?
Será que vou cair, bater a cabeça e me tornar inteligente da noite pro dia?
Nunca imaginei que sairia de uma consulta mística mais encanada do que entrei.



Lola, não quis entrar em detalhes sobre o que a Madame Shade contou a respeito de sua vida futura, só disse que ela vai encontrar alguém depois de muito se divertir, mas que vai precisar rever os seus conceitos como pessoa.


Devo dizer que alguns meses nos separam do fatídico dia da consulta mística, e as coisas continuaram iguais - Iguaizinhas mesmo, sem tirar nem por - digo isso porque, meu casamento não saiu como foi previsto... Rick "o muquirana" sequer trocou a nossa aliança de compromisso por uma mais nova, e eu não me tornei nada intelectual.


Até forcei a barra, e resolvi frequentar a biblioteca por algum tempo em busca de coisas como: Platão, Edgar Allan Poe, Aristóteles, Nietzsche e outras pessoas estranhíssimas, mas achei tudo muito chato e acabei desistindo, o que me fez ter certeza de que nunca, nunca mesmo me tornarei uma intelectual.
A não ser que eu viesse a cair,  bater a cabeça e acordar, de repente, bem mais inteligente.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

III - De olho no futuro - Lola


Vamos voltar ao caso da vidente.
Finalmente chegamos ao apartamento dela, e fomos convidadas - pelo que poderia chamar de sua assistente? - a nos acomodar na sala de espera, enquanto a Madame Shade se preparava para nos receber.


Sou uma pessoa um tanto curiosa, apesar de ser medrosa também... então, naquele instante em que tudo virou uma tensão, e até podia enxergar uma névoa de suspense circulando pela sala, resolvi desabafar com Lola, antes que começasse a fantasiar demais sobre aquilo e resolvesse fugir com o rabinho entre as pernas:
- Lola, escuta, o que você acha que ela está fazendo?
- Acho que... acho que ela está invocando um espírito pra entrar em uma espécie de bola de cristal... - Eu a encarei desconfiada, e ela terminou de se explicar - você sabe, gatinha, o espírito que vai contar a ela tudo sobre as nossas vidas.
- Huum... - Resmunguei como sinal de que eu havia entendido, e dei continuidade à conversa tentando me esquecer completamente da palavra espírito - não consigo entender como você, uma pessoa tão centrada, desapegada e segura de si... consegue acreditar nesse tipo de coisa.


E não estou mentindo sobre Lola ser centrada e desapegada, imaginem vocês que ela é jornalista e editora chefe de uma das revistas mais populares de Bridgeport.


Também devo informá-los de que ela ganha muita grana e suborna muita gente importante, e não estou contando história para boi dormir; ela mesma já me relatou vários casos em que fez: Celebridades, políticos ou alguém da classe aristocrática chorar, implorar por perdão e abrir a carteira liberando muitas e muitas notas altas em troca do silêncio, para que as: bebedeiras/puladas de cerca/ orientação sexual/ filhos fora do casamento e outras coisas perturbadoras não fossem publicadas em sua revista.


É claro que Lola também não fechava o bico completamente, após alguns dias de marasmo total, ela vendia o furo para outra revista em troca de mais um punhado considerável de dinheiro.


É assim que a minha amiga vem construindo um grande império, que consiste por enquanto em: Sua linda cobertura no centro de Bridgeport, uma fantástica casa de férias com vista pro mar, piscina, jacuzzi e cinco suítes em Barnacle Bay e um lindo e caro conversível prateado.


A parte segura de si, existe... contudo, de uns tempos pra cá, ela anda um pouco encanada em saber se o seu futuro será tão brilhante como o esperado, entretanto imagino que seja apenas a crise dos trinta.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

II - De olho no futuro - Rick


O fato é que eu nunca quis mudar o rumo da minha vida, sempre me mantive centrada nas minhas metas, que são; Continuar a trabalhar como mixóloga, casar com o Rick daqui uns dois anos - como ele mesmo prometeu - e ter filhos.


Ricardo é meu namorado há quase seis anos, e tenho certeza de que o amo - não assim desesperadamente - mas acredito que ele seja a pessoa certa pra mim.
Rick é um cara bacana durante boa parte do tempo - menos quando ele me troca pelo trabalho - e quase nunca brigamos.


Claro que temos pequenos desentendimentos vez ou outra, mas nada fora do que se pode chamar de normal.
Vocês devem ficar cientes de que eu detesto o trabalho dele - ele não sabe - e ele não vai muito com a cara do meu - eu sei - mas isso é uma coisa que não vou explicar logo de cara, certamente vocês vão acabar percebendo.
E sobre as nossas brigas, são sempre relacionadas a coisas banais.
Rick jura por Deus que eu não posso viver sem pedir a opinião dele pra qualquer coisa que eu vá fazer, mas o acho muito exagerado, além do mais não tem nada a ver com opinião.


Quando estou fazendo compras, por exemplo, não ligo pra ele para saber o que comprar, só que muitas vezes acontece do meu cartão de crédito não passar, entendem? E ai, sou obrigada a ligar pro Rick esperando que ele tenha uma solução para os meus problemas. Eu poderia deixar a compra no mercado, ou tentar o cheque especial que geralmente está estourado, mas... como sei que deixar a compra no mercado implica em eu não ter nada para comer, e o meu esquema do cheque implica em eu ter que explicar para o meu gerente que a vida muitas vezes é difícil, e nem sempre eu posso viver com o salário de merda que recebo, vou direto ao ponto, ou seja... direto ao Ricardo que sempre reclama:
"E se não sou eu, Justine? E se de repente eu morro? Quem vai pagar a sua compra no mercado?!"
Mas eu não ligo, ele nunca fica bravo por muito tempo mesmo e acaba me concedendo um empréstimo.



Outra coisa que Rick não gosta muito é da minha pequena dependência chamada Lola.
Ele diz que eu estou sempre a procura de alguém que pode me salvar em um momento de perigo, mas ele nunca vai entender a amizade entre duas mulheres, nunca entenderá que não tem nada a ver com momento de perigo, tem a ver com alguém com quem eu possa desabafar, tricotar, fofocar e pedir uma ajudinha com uma coisa ou outra, por que não?!



E ele costuma dizer também que sou uma pessoa muito desatenta, mimada e que não ligo muito para o que acontece ao meu redor; Insiste para que eu tenha um pouco mais de cultura de coisas boas, como: Atualidades, política, artigos científicos e literatura, nada de romances populares e revistas de fofocas... mas sinceramente, esse "lado bom" não me atrai muito não.