Entretanto não pude manter o meu trabalho em segredo por muito tempo, e infelizmente o dia da verdade chegou, mas não foi como eu temi, Persy não fez chacota alguma da minha profissão, ao contrário... ele foi muito gentil, tanto que cheguei a sentir orgulho de mim.
Estávamos os três conversando na sala da casa do Rick, e ele o Persy, estava comentando sobre o seu incrível documentário chamado: “Destino viajante - Al Simhara”, o diálogo transcorreu mais ou menos assim:
- Então, além do documentário para a televisão, você escreveu mais um livro... da “série viajante”?! - Quis saber Ricardo, muito interessado.
- Viajei durante três meses, acumulei muito material, muitas imagens de lugares que eu posso apostar que nem dez por cento da população tenha conhecimento da existência; lugares incríveis, relíquias incríveis, animais incríveis, o povo então... magnífico, seria impossível mostrar tudo apenas com o documentário.
- Cara, você sabe que eu sou apaixonado pelos seus documentários e livros, essa série viajante está demais, olha... o de Shang Simla está um tesão da primeira até a última palavra.
Era engraçado como o Persy ficava tímido quando o Rick soltava palavras que tinham conotação sexual - Coisa que o Rick era mestre em fazer - e eu ficava muito ansiosa para que o Ricardo falasse palavras desse tipo, pois eu achava uma graça ver as bochechas do Persy ficarem vermelhas, e adorava assistir a forma como ele tentava sair da situação tão típica para nós, mas completamente embaraçosa pra ele:
- Hãm, huum... então, estou tentando negociar com a mesma produtora que comprou o meu documentário de Shang Simla, estou confiante de que vou fechar um bom negócio.
- Com certeza você vai fechar meu camaradinha, você é foda! Não tem cara como você nesse meio não!
- Espero que eles achem o mesmo, vocês... querem ver o vídeo?
Rick arregalou os olhos como uma criança a ser questionada se gostaria de passar as férias na Disney, e gritou:
- Puta que pariu! É claro! Não acredito que você está com esse material em casa e não me mostrou! Seu vacilão!
Persy sorriu tímido novamente, imagino que tenha sido por causa do palavrão, e continuou falando:
- São cinco horas de material não editado, está tudo cru ainda... mas, na minha opinião, o material sem edição é muito melhor.
Olhei para o relógio automaticamente quando o Persy citou o tempo de vídeo, e conclui que era hora de eu ir embora, pois entraria para trabalhar no início da noite.
Persy, muito observador, recuou e emudeceu, enquanto eu me levantava e comunicava:
- Bom, meninos, tenho que ir trabalhar.
Rick se manifestou em seguida:
- É sério, Jussy? Mas você não entra às vinte e uma?
- Hoje eu trabalho no Salão da Prosperidade... você sabe, sempre entro mais cedo.
- Ah, que pena... – Rick se lamentou, e poderia ter ficado na lamentação, pois o que ele disse em sequência fez com que eu ficasse muito magoada.
– Não sei porque você não procura um emprego descente, Justine, com horários como o de todo mundo, e que te dê alguma segurança no futuro... Se você ficasse em casa, tenho certeza de que estaria ganhando muito mais!
Abaixei os olhos, que antes passaram pelo Persy, buscando algum sinal de reprovação imediata a meu respeito, mas ele parecia tão sem graça quanto eu.
Estava pronta para virar as costas e ir embora, quando a situação continuou a rolar ladeira abaixo:
- Ela é mixóloga, Lars!
Pobre Persy, ele mal respirava, suas sobrancelhas se movimentaram, e ele pendeu a cabeça para o lado direito do seu corpo de maneira sutil, como se estivesse absorvendo a informação e permaneceu em silêncio, em compensação o Rick ainda não estava contente:
– Você tem noção do que isso significa?
Eu não sabia de quem eu estava com mais pena, de mim ou do Persy, que obviamente estava se perguntando que diabos estava fazendo ali, ele era sempre tão discreto que cheguei a me envergonhar por ele.
Mas de repente, quando não se podia esperar por mais nada, Persy nos surpreendeu:
- Sim, eu sei. Mixólogos são pessoas com profundo conhecimento em líquidos alcoólicos ou não, eles os misturam transformando-os em coquetéis saborosos, afrodisíacos e até mesmo inspiradores... acho que é mais ou menos isso.
De boca aberta esperei que no jardim surgisse uma platéia dando uma merecedora salva de palmas para o Persy, e alguém aparecer para entregar-lhe o prêmio de "simpático do ano", não sei... fiquei tão chocada, pela resposta dele que me esqueci de respirar.
Talvez, se um dia tivessem me perguntado o que viria a ser um mixólogo, eu diria:
"Ah! São pessoas que trabalham nos bares de boates, entende? E fazem misturébas malucas com bebidas que deixa o público de bem com a vida!"
Mas nunca, nunca mesmo iria conseguir dizer algo que desse a minha profissão um ar tão sofisticado.
- Obrigada, Persy... – O agradeci, e me virei em direção a saída sem dirigir a palavra ao Rick, e até o momento em que fechei a porta, nenhuma palavra foi dita na sala.