terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

V - Um infortúnio chamado Lars

Porém, foi em um fim de semana em que eu já não pensava mais nas palavras de Madame Shade, que as transformações na minha vida começaram sem que eu me desse conta, da maneira como foi previsto.


Eu e Rick tínhamos combinado por telefone de fazer muitas coisas, dentre elas, sair para dançar, já que eu estaria de folga. Estava super empolgada, pois sair para dançar era uma coisa que Rick não fazia comigo há eras, por conta de sua carga horária exaustiva.


E quando cheguei na casa do Ricardo até me assustei, pois ele estava muito mais animado pessoalmente, e assim que me viu passar pela porta anunciou:
- Jussy, você não vai acreditar! aconteceu uma coisa fantástica!
- Jura? O quê?- Perguntei a ele, sorridente, pois deveria ser mesmo algo extraordinário.


- Sente-se. - Rick me puxou para o sofá, sentando-se ao meu lado enquanto começava a me explicar - Tínhamos combinado de sair para dançar, não é?
- Ahãm... tínhamos sim. - Concordei de imediato.
- Pois bem, não vai dar.
Murchei no mesmo instante, protestando logo em seguida:
- Como assim, Rick?! Nós passamos a semana combinando isso!
- É eu sei... infelizmente não vou poder ir, Jussy... - disse ele com um ar tristonho, que logo se transformou em euforia, para o meu desespero - mas tem um bom motivo!
- E ele vai ter que ser ótimo. - Disse no ato.


- E é! - Afirmou entusiasmado - sabe o Lars?
- Quem?
- O Lars! Ele tem uns programas na televisão - Dizia Rick com a felicidade inabalável - Você deve saber, sempre te recomendo.
- Acho que não sei quem é. - Respondi de forma bem seca.
- Ele é meu primo, também já comentei isso algumas vezes, e agora a pouco ele me telefonou dizendo que está em Bridgeport, negociando a venda do documentário pra mesma produtora que comprou o "Destino Viajante - Shang Simla".
- Hum... e ai? - Resmunguei apenas para dar continuidade ao assunto.


- Ai que o cara tá num hotel... e ele é meu primo! Passamos a maioria das nossas férias de infância no rancho do vovô Walter em Appaloosa Plains, eu ele e o irmão dele... Freyr, férias sensacionais devo frisar.
- Rick... você pode ir direto ao assunto? - Decidi cortá-lo, antes dele querer me fazer entender sua árvore genealógica - O que isso tem a ver com a gente sair pra dançar?!
- Ah, sim... então, eu o convidei para passar esse tempo aqui, faz anos que não o vejo, e não poderia deixar de forma alguma que ele fique em um hotel completamente sozinho, seria desumano da minha parte.



Não fiz questão de pensar que o tal do Lars era um pobre coitado... afinal ele estava arruinando o meu findi sem nem pedir licença, então questionei Rick completamente desanimada:
- E por causa dele, vamos ter que ficar em casa, pra variar?
- Jussy, não fala assim...  o Lars é um cara super legal! Você não consegue mesmo se lembrar dele? O programa que ele apresenta passa nos canais relacionados a história natural, aqueles que eu sempre estou insistindo pra que você assista!



Do alto da minha ira respondi:
- Nunca vi, Ricardo! E se você quer mesmo saber, sempre fiz questão de pular esse tipo de canal, porque odeio o mundo natural!
- Hei! Amorzinho! - Rick me puxou para junto dele, achando que o ato pudesse me acalmar.

Sabem, eu não odeio o mundo natural - de forma alguma - e acho legal o lance de salvar a natureza e tudo mais... só que nunca tive paciência para assistir esse tipo de programa, além do mais, estava com muita vontade de deixar o Rick chateado, portanto dei um chega pra lá nele, e resmunguei com raiva:
- Eu odeio!


Rick me encarou chocado por um bom tempo, dizendo logo que saiu do transe:
- Então, parece que você terá um pequeno problema.
- Por quê? - Rebati revigorada.
- Bom, já que você não assiste... devo te informar que o Lars vive disso. Ele é zoólogo e arqueólogo, ele tem projetos de reflorestamento, reabilitação de animais selvagens na natureza, faz parte de uma equipe de escavação, onde é um membro convidado, veja só a importância! Não é que ele não goste, acredito que ele se enfiaria no deserto mesmo que não recebesse um tostão furado para ajudar a escavar, mas ele é convidado! Tem noção? Pessoas importantes ligam pra ele e dizem: "Lars, seria uma honra se você fizesse parte da nossa equipe!" enfim... ele é tudo o que você odeia.
- Que péssimo, acho que vou achar ele um saco, pelo visto.
- Provavelmente você vai. - Rick concordou.
- Ah, com certeza. - Afirmei só para implicar.


- É uma pena, que você não consiga dar valor a coisas que realmente tem valor, Justine.
- Que se dane as coisas que tem valor! Eu queria sair pra dançar, é pedir muito?! - Nessa altura eu já estava com uma tromba de elefante, tamanha era a minha chateação.
Devido a minha cara de frustração, Rick tentou solucionar o problema dando-me uma nova data, mas devo dizer que foi em vão:
- Nós podemos marcar pro final de semana que vem, e o Lars pode nos acompanhar se ele quiser.
- Não quero sair com esse mala, provavelmente ele vai melar toda a balada dizendo que a fumaça produz substâncias nocivas a natureza, que vamos morrer se ficarmos respirando muito gás carbônico, que... blábláblá e blábláblá!



Rick não conseguiu acreditar que nós não venerávamos o mesmo Deus, e resolveu virar a cara para mim - um claro sinal de protesto a minha infantilidade? - Então me senti um pouco mal... não por ele, mas por mim. Afinal era o meu fim de semana que estava indo pro saco!
Quem sabe se eu insistisse em um jantarzinho, antes do Lars chegar? Pelo menos não me sentiria tão traída:
- Escuta... hãm, Rick... já que não podemos sair pra dançar... um jantarzinho em algum restaurante, não rola?!



Ele sequer respirou para me responder:
- Acontece que Lars vai chegar a qualquer momento, e temos tantas coisas pra conversar!
Eu bufei
- Ô, Justine, por favor! Não seja tão mimada assim! Só por hoje tente me entender!
Respondi chorosa:
- Eu sou mimada?!! Tudo tem que ser do seu jeito, Rick! Nem sei porque insisto em começar uma discussão, se tenho certeza que você vai ganhar.
Ele sorriu, achando que o que eu havia dito na verdade era: "Mil perdões! Eu te entendo por arruinar o meu findi!"
Mas, eu quis dizer que estava puta da vida com ele.
Então, como sempre ele deu a discussão por encerrada, e começou a conversar comigo como se nada tivesse acontecido:
- Estava pensando, o Lars é vegano...
- O que isso significa?
Rick revirou os olhos, e respondeu impaciente:
- Significa que ele não come carne, nenhum tipo.
- Que babaca!


Rick me ignorou, e continuou a conversa que ele tinha resolvido ter comigo:
- O que você acha que deveríamos fazer pro jantar?
Respondi com sarcasmo:
- Oras... vamos ali no quintal juntar um punhado de grama e fazemos uma salada, o que acha? Simples e saboroso!



O ar animado que o Rick insistia em manter desapareceu no mesmo instante, e ele disse desapontado:
- Já vi que não vou poder contar com você, então... acho que vou fazer alguma massa.
- Faz o que você quiser, estou sem fome.
Anunciei enquanto seguia para o quintal marchando em passos duros, a fim de ligar para a Lola e contar-lhe tudo sobre o recém inferno no qual eu tinha me metido.